Monumento ao Marquês de Sá da Bandeira / Praça D. Luís I

© Ana Paula Antunes

Monumento ao Marquês de Sá da Bandeira / Praça D. Luís I

Uma mulher aponta à criança o nome do homem responsável pelo fim da escravatura e do tráfico negreiro no império português.

Ana Paula Antunes
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A 31 de julho de 1884, foi inaugurado, em Lisboa, na praça D. Luís I, junto ao Cais do Sodré, o monumento ao Marquês de Sá da Bandeira (Bernardo de Sá Nogueira de Figueiredo, Santarém, 1795 – Lisboa, 1876).

Pouco passava das seis da tarde, quando uma multidão se juntou para assistir ao desvendar da estátua que iria imortalizar o militar, o combatente pelo constitucionalismo e o estadista que aboliu a escravatura. Presentes, entre muitas figuras do governo e do município, estavam o casal real D. Luís e D. Maria Pia, os príncipes, o pai do rei, D. Fernando e a filha do homenageado, Louise Aglaé.

Financiado por subscrição pública (entre os contributos contaram-se os de muitos alforriados e afrodescendentes e da própria família real), o projeto foi ganho, após concurso internacional, pelo escultor italiano Giovanni Ciniselli (1832-1883), que em 1881 se deslocou a Lisboa, para se inteirar do local onde o monumento seria erguido e da biografia do homenageado, fornecida pelo historiador Luz Soriano.

Entretanto, e embora as várias estátuas que compunham o monumento estivessem fundidas, o seu autor morreu em maio de 1883, sem ter terminado a totalidade da obra. A Revista Occidente noticiou, logo após a inauguração do monumento, que se percebia “faltar o último toque do artista”, criticando a altura mal calculada para o local.

O monumento é constituído por três partes: a base, formada por três degraus, o pedestal em pedra, da autoria de Germano José de Salles e a estátua principal. A ladear a base assentam quatro estátuas em bronze, uma na parte posterior que representa a História e dois leões de cada lado do pedestal, simbólicos representantes da força e da coragem que o homenageado sempre demonstrou enquanto militar e político.

 

 

A preta Fernanda, uma mulher como uma criança ao colo

 

Na parte frontal, uma mulher, com uma criança ao colo colocada estrategicamente para esconder os seios, que representa a população africana escravizada ao longo de séculos e, embora ainda agrilhoada, mostra uma corrente já quebrada, no tornozelo esquerdo. A mulher aponta à criança o nome do homem responsável pelo fim da escravatura e do tráfico negreiro no império português. A primeira modelo que serviu como alegoria a África terá sido a cabo-verdiana Andresa do Nascimento (c.1859-c.1918). Pousou oficialmente, com portaria assinada no paço real e o subsídio diário de 560 réis, não mais que sete dias. O escultor acabou por prescindir dela como modelo, acusando-a de “não passar d’um modelo sem pés”, por possuir joanetes demasiado salientes. Anos mais tarde, Andresa tornou-se protagonista da Lisboa boémia, dos salões, dos teatros e até das praças de touros, tendo ficado conhecida como Preta Fernanda.  Em 1912, sob o pseudónimo de Fernanda do Vale, foi publicada a obra Recordações d’uma Colonial – Memórias da Preta Fernanda, com a coautoria de A. Totta & F. Machado. Reeditada ao longo dos anos é, hoje em dia, contestada a sua veracidade como relato na primeira pessoa.

Finalmente, a coroar o monumento, a figura do marquês de Sá da Bandeira, segurando um estandarte, com um pendão a dizer “Libertas”, acompanhado por um génio que segura um archote, como se a luz que daí flui iluminasse o caminho para a liberdade. Realça-se o pormenor da manga vazia da casaca, pela amputação do seu braço direito, atingido por uma bala, no âmbito das lutas liberais, a 8 de setembro de 1832, como tenente-coronel do exército de D. Pedro IV, na defesa do Alto da Bandeira (Serra do Pilar, Vila Nova de Gaia), ponto estratégico para a tomada da cidade do Porto.

 

Um combatente pela liberdade e pela igualdade

O marquês de Sá da Bandeira foi um homem de ideais, um combatente permanente pela liberdade e pela igualdade. Como legislador, e enfrentando as autoridades e os colonos de África, aboliu gradualmente a escravatura e o tráfico negreiro, com vários decretos-lei entre 1836 e 1869, pois considerava que os milhares de súbditos da coroa portuguesa – os escravizados – não gozavam das garantias que a carta constitucional lhes concedia. Foi, sem dúvida, um abolicionista convicto, embora um incrementador colonial: considerava que só o trabalho livre e a instrução eram os verdadeiros fatores de desenvolvimento das populações que viviam nos territórios africanos, ocupados por Portugal.

Foi o próprio que escreveu o seu epitáfio: “(…) serviu o seu país, servindo as suas convicções, morre satisfeito. A pátria nada lhe deve”.

 

Bibliografia

Borges, João Vieira (Coord.) – Marquês de Sá da Bandeira: o homem, o militar e o político. Lisboa, Academia Militar, Fronteira do Caos Editores, 2019

Henriques, Isabel Castro – A Herança Africana em Portugal. CTT/Correios de Portugal, 2009

Revista Occidente: 11.8.1884 (nº 203) e 11.9.1884 (nº 206)

Santana, Francisco e Sucena, Eduardo (Dir.) – Dicionário da História de Lisboa. Lisboa, 1994

Vale, Fernanda do - A Preta Fernanda. Lisboa, Edições Teorema/Canto Nono, 1994

Última edição em: 27/04/2024 17:36:56