Priscilla Owosekun-Wilms

© Delali Ayivi

Priscilla Owosekun-Wilms
+

"Quem é que está a lucrar aqui e agora?"

ENTREVISTA: Anke Schwarzer, 2021

De que locais e espaços de Hamburgo se lembra quando pensa na história colonial e no presente?

 

Lembro-me em primeiro lugar dos vestígios coloniais clássicos – desde nomes de ruas até bustos que recordam pessoas que lucraram com o período colonial. São nomes que estão sempre a aparecer no debate político: Otto von Bismarck por exemplo, mas também Adolph Woermann, Justus Strandes e outros mais. Os vestígios estendem-se pela cidade como um fio condutor a lembrar os feitos ocorridos no período colonial que são sempre  representados de modo positivo – demasiado positivo, mesmo. 
Nessa medida, considero que o debate político que tem ocorrido nos últimos anos é um bom sinal, pois insere esses vestígios no seu contexto e reflete de forma crítica sobre o tipo de cultura da memória que tem vigorado até hoje.
Mas também me ocorrem outros lugares que não relacionaríamos necessariamente com a forma clássica de olhar para o período colonial: trata-se de instituições e de empresas que lucraram com o período colonial mas cujos nomes e ações nem toda a gente relaciona com esse período. São lugares que – olhando mais profundamente para a História – estão ligados a todos aqueles e aquelas que lucraram com o período colonial.

Pode apresentar alguns exemplos desses outros lugares?

 

Achei, por exemplo, muito interessante o que li há pouco tempo sobre Justus Strandes, uma figura muito presente nesta cidade enquanto político, e que foi também membro da Sociedade de Geografia de Hamburgo e do conselho consultivo comercial do Instituto Comercial de Hamburgo. Esse Instituto foi o embrião da ulterior Universidade de Hamburgo. Um leigo nesta matéria não conseguiria facilmente chegar a esse conhecimento.

Justus Strandes

Justus Strandes (1859-1930) foi um comerciante, político e senador da cidade de Hamburgo. Entre 1879 e 1889 trabalhou no Zanzibar para a firma de Hamburgo Hansing & Co.. Auxiliou Carl Peters (1856–1918) a consolidar o domínio colonial na África Oriental Alemã e Hermann von Wissmann (1853–1905) a recrutar  e a equipar mercenários na guerra contra a população da costa oriental de África. Em 1898 foi chamado a integrar o Conselho Colonial do Império Alemão.

Como acha que deveriam ser recordados os vestígios colonais no espaço  urbano? Deviam ser identificados?

 

Considero que é muito importante contextualizar. Muitas vezes os debates giram apenas em torno do „deitar fora!“ e criar algo novo. Não considero necessário manter todos os vestígios, mas acho igualmente errado que se destrua tudo. Quando contextualizamos conseguimos perceber melhor as linhas de conexão que ainda hoje são perceptíveis na cidade.

Vê alguma possibilidade de se descolonizar a cidade e o espaço público sem ser através de um trabalho sério sobre os antigos vestígios coloniais de pedra e bronze?

 

Sim, perfeitamente! Para além do trabalho em torno dos antigos vestígios, a descolonização também deve permitir criar espaços para algo novo e colocar a questão de „quem é que está a lucrar aqui e agora?“ 

“É extremamente importante  que existam espaços para negros e pessoas de cor que sofrem no aqui e no agora com as estruturas e condições pós-coloniais.”

Eles devem ter o direito a uma posição e a uma representação, tal como outros grupos da nossa sociedade.

Quanto a isso, que exemplos positivos vê na cidade de Hamburgo?

 

Não estou a pensar tanto nos monumentos, mas mais naquilo que, desde há muitos anos, se tem vindo a desenvolver organicamente a partir da chamada Community. Estou a pensar no Black History Month, na Associação Future Of Ghana Germany e em muitas outras associações que mostram o potencial das pessoas de cor aqui e agora, sem que elas precisem de provar o que quer que seja. 

Há empreendedores negros, alemães de cor que fazem coisas extraordinárias. Encontrei muitos Black Owned Businesses que estão sediados em Hamburgo e que oferecem produtos sustentáveis. Para mim, isso é uma nova forma de descolonização.

Considera que tais desenvolvimentos positivos deviam ser mais visíveis na sociedade?

 

A questão é saber para onde se olha quando se procura. Há muita coisa a acontecer, mas talvez ainda não desperte a atenção que é realmente necessária. As atividades são visíveis, mas gostaria que se olhasse para elas com mais atenção e, sobretudo, que fossem ouvidos os/ as especialistas nas suas áreas específicas de conhecimento. Se não tiverem que ser sempre as mesmas pessoas da Community a pronunciar-se sobre todos os temas, já se consegue quebrar um pouco mais a perceção monolítica que se tem da Community no exterior. 

Encontramo-nos aqui na Afrotopia, um sítio muito especial. Está situado na antiga igreja Bugenhagen (Bugenhagenkirche) de Hamburgo, uma igreja evangélica luterana do bairro de Barmbek-Süd. Foi construída com tijolo vermelho em finais dos anos 1920 e reconvertida em 2019. Pessoalmente, considero essa reconversão uma ideia muito estimulante. O economista e humanista Christian Kodjo Ayivi recebeu em 2019 a concessão que lhe permitiu transformar este local num centro cultural.

Quais são os planos para este local?

 

Neste complexo, que é património protegido, está a ser criado um centro criativo e o think tank Afrotopia. O nome remete para um livro do economista senegalês Felwine Sarr que afirma: „O Homo africanus não é um Homo oeconomicus“. A vida e a economia africanas são diferentes; por conseguinte, é importante confiar nas próprias competências. Acho que o nome foi bem escolhido. Aqui deverá concretizar-se uma suposta utopia. Um espaço no qual uma pessoa não tem de se definir de acordo com os habituais atributos que lhe são impostos do exterior, mas sim decidir por ela própria, de uma forma nova: como é que quero ser e o que é importante para nós enquanto diáspora africana? Como é que queremos conceber o lugar em que nos desenvolvemos? 

Está previsto um Social- e Creative Space com café e Event Catering para festas e encontros, mas também haverá espaços de escritório e de trabalho para artistas de ambos os sexos. Vai surgir uma biblioteca num Learning Space. A biblioteca vai permitir ter acesso alargado a diversos autores e autoras da diáspora africana. Quando penso na minha experiência pessoal, ocorre-me um assunto de extrema importância: a autora nigeriana  Chimamanda Ngozi Adichie, por exemplo, um ícone literário, só muito recentemente se cruzou no meu caminho! Seria maravilhoso que, em pleno Barmbek-Süd, tivéssemos mais oportunidades de conhecer estas figuras exemplares. Num Performing Space haverá salas multifuncionais para teatro, concertos, filmes, exposições, dança, leituras e muitas outras atividades. 

Finalmente,  o Christian Kodjo Ayivi quer pôr em rede uma série de empresárias e empresários negros num Business Space. Num Co-Working-Space deverão estar disponíveis espaços de trabalho para freelancers, para equipas que tenham projetos e para startups provenientes das mais diversas áreas. É muito empolgante, desafiante, por vezes também conflituoso. E tudo isto necessita, como é óbvio, de recursos suplementares. Vê-se que estou absolutamente apaixonada pela ideia da Afrotopia. Tenho a certeza de que um sítio como este também pode abrir novos espaços de reflexão.

Tradução: Gabriela Fragoso