Casa dos Estudantes do Império

© Rui Sérgio Afonso 2021

Casa dos Estudantes do Império

De associação estudantil do regime às lutas anticoloniais

Helena Wakim Moreno
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De projeto acalantado pelo regime a associação estudantil identificada com diferentes segmentos da oposição, ao longo dos seus vinte e um anos de existência, a Casa dos Estudantes do Império assumiu múltiplas configurações e recebeu gerações compostas por indivíduos que viriam a destacar-se nos movimentos de libertação nacional. De modo sucinto, o texto procura apresentar ao leitor nuances das dinâmicas internas da associação, os contactos entre os seus sócios e os movimentos de oposição ao regime de Salazar, e numa fase posterior, o contato com ideias anticoloniais e os movimentos de libertação nacional das antigas colónias em África, assim como algumas conexões transnacionais estabelecidas a partir dali.

Edifício onde funcionava a Casa dos Estudantes do Império. Foto: © Rui Sérgio Afonso 2020

Da Casa de Angola à Casa dos Estudantes do Império

No início da década de 1940, as universidades em Portugal contavam com um modesto, porém notável, contingente de estudantes provenientes das colónias portuguesas. Na altura, em alguns territórios em África, como a Libéria, já havia universidades nos moldes do sistema de ensino ocidental desde a segunda metade do século XIX, ao passo que noutros, como Nigéria, Uganda, Madagáscar e Senegal, foram fundadas as primeiras instituições do género após o final da segunda guerra mundial [1]O espaço colonial português era a única exceção a esta tendência. Assim, os estudantes que residiam nas colónias e que reuniam condições para avançar nos estudos (muitos provindos de família de colonos e parte deles de famílias assimiladas) acabavam por passar temporadas em Portugal.

Sócios da Casa dos Estudantes do Império posam para fotografia em frente à placa de identificação da associação (Lisboa, 1950).

Longe de casa, sem o apoio afetivo dos seus círculos de origem e com alguma dificuldade em criar grandes vínculos com os colegas da metrópole, estes estudantes buscavam apoio junto dos seus conterrâneos. Assim, no início da década de 1940, despontaram alguns núcleos de jovens provenientes das colónias, entre os quais a Casa de Moçambique, a Casa de Cabo Verde e a Casa de Angola. Esta última tinha à frente Alberto Marques Mano de Mesquita, sobrinho de Manuel da Cunha e Costa Marques Mano, Governador-Geral de Angola entre 1939 e 1941, dado que corroborou para conseguir o apoio da Mocidade Portuguesa e do Ministério das Colónias.

Percebendo a proliferação deste tipo de organização estudantil e buscando prevenir que se tornassem focos de nacionalismos, ambos os organismos juntaram apoios para que a Casa de Angola passasse a ser a Casa dos Estudantes do Império (CEI), comprometendo-se a fornecer subsídios para a iniciativa. Assim, a 3 de julho de 1944, foi fundada a sede da associação em Lisboa e, no ano seguinte, a sua delegação em Coimbra.

Da parte do regime, apoiar a fundação de uma associação de universitários do espaço colonial afigurava-se um passo acertado por diferentes motivos, a começar pela aposta de que seria mais fácil vigiar as atividades numa só associação estudantil, e não em várias. Acreditava-se também que a Mocidade Portuguesa teria condições para exercer ali uma notável influência política e ideológica, fazendo com que os sócios viessem a servir de correia de transmissão dos valores do regime quando regressassem para os seus territórios de origem. Além disto, é necessário ter em conta os efeitos da Segunda Guerra Mundial no acirramento das tensões económicas, políticas e sociais em Portugal, que desencadearam a primeira grande crise do Estado Novo [2]. Por estas razões, a fundação da CEI com o suporte do governo ganhou na propaganda oficial contornos de um suposto aval dos jovens das colónias ao regime.

A geração dos “mais-velhos”

Entretanto, a prática foi na contramão das intenções do regime, a começar pela organização interna da associação, estruturada a partir de secções que correspondiam às colónias. Os estudantes associavam-se e frequentavam as atividades organizadas pela sua secção que correspondia ao seu território de origem. Contudo, havia exceções: pelo diminuto número de sócios, os estudantes do Timor estavam associados à Secção de Macau. A mesma situação se dava com os sócios da Guiné, que frequentavam a Secção de Cabo Verde, e com os provenientes de São Tomé, que se dividiam entre esta última Secção e a de Angola. Assim, ao passo que o governo criou a CEI com o intuito de congregar sob a mesma associação todos os estudantes do império, no seu interior eles continuavam a organizar-se a partir do seu local de proveniência [3].

Cartão de sócio da Casa dos Estudantes do Império de Mário Pinto de Andrade (janeiro 1949). Foto: © Arquivo Mário Pinto de Andrade


Cartão de sócio da Casa dos Estudantes do Império de Mário Pinto de Andrade (janeiro 1949). Foto: © Arquivo Mário Pinto de Andrade


Sob a gestão de Alberto Marques Mano de Mesquita, há uma notória aproximação entre a CEI e a Mocidade Portuguesa. Como se recordava Sócrates Dáskalos, antigo sócio originário de Angola, as primeiras eleições da associação foram marcadas pela destituição da gestão em curso. A nova diretoria, encabeçada por Aguinaldo Veiga, natural de Cabo Verde, imprimiu um funcionamento mais democrático, incentivando à participação dos sócios e garantindo o direito de voto a todos nas assembleias gerais [4], um dado digno de nota face às condições vigentes nas associações estudantis durante o Estado Novo. Aqueles que frequentaram a CEI nos anos 1940 e início da década seguinte ficaram conhecidos como os “mais-velhos”, por corresponderem às primeiras gerações de associados [5].

No seio da Casa, estas instâncias abriram caminho para um tipo de exercício político incomum naqueles anos, com espaços de debates e de consciencialização em torno das demandas políticas e sociais dos associados, como expresso neste trecho de uma carta redigida em 1948 por Amílcar Cabral, sócio da Secção de Cabo Verde:

Na sexta-feira à noite, estive numa Assembleia Geral da CEI, até às 2 h da madrugada! Eu gostaria que me visse defender a aquisição de uma casa nos arredores de Lisboa (...), gostaria que me visse a argumentar. Consegui comover a Assembleia (peneiras!) e, francamente, fiquei com a impressão de que apesar de ter falado como estudante de Agronomia, eu deveria ter estudado Direito [6].

O facto destas vivências na CEI terem florescido em fins da década de 1940 tornou-as possivelmente mais significativas nas trajetórias dos jovens sócios do que se tivessem ocorrido num contexto anterior. O curso da crise política do Estado Novo legou condições para a criação do Movimento da Unidade Democrática (MUD) e, pouco depois, para a fundação da sua frente de juventude, o MUD Juvenil. Este movimento de frente ampla de oposição ao regime em pouco tempo tornou-se um fenómeno de massas, contando inclusive com a adesão clandestina do Partido Comunista Português (PCP).

Presenciar a emergência e a organização de uma mobilização da oposição destas proporções durante a ditadura denotava, para os sócios politicamente mais activos, as insatisfações que também a população da metrópole possuía com o regime. Acreditando que a queda do regime era o primeiro passo para uma situação de autonomia ou até de emancipação das colónias, muitos sócios da CEI aderiram ao MUD Juvenil e alguns estreitaram vínculos com o Partido Comunista Português. Neste período, casos de sócios que passaram por interrogatórios e pelas cadeias da PIDE em decorrência de sua participação política no MUD Juvenil não eram incomuns. Para mencionar apenas alguns exemplos, foi o que ocorreu na altura com Mário Pinto de Andrade e Marcelino dos Santos, respectivamente sócios das Secções de Angola e de Moçambique. Agostinho Neto também de Angola e dirigente da delegação de Coimbra, passou anos preso por conta da sua atuação nos movimentos de oposição.

Em 1952, a convergência de dois fatores tornou a CEI especialmente incómoda aos olhos do regime: frente aos impasses que se acirravam com a União Indiana em torno da Índia Portuguesa, o governo português remeteu à Secção da Índia Portuguesa da CEI uma moção de repúdio às declarações do primeiro-ministro Jawaharlal Nehru, crítico da presença portuguesa na região. O regime pediu em correspondência anexada que os sócios assinassem a moção como forma de manifestação de apoio. Todos se negaram a fazê-lo, alegando que as suas famílias poderiam sofrer retaliações dos apoiantes de Nehru. A resposta foi tomada pelo governo como um posicionamento contrário aos seus intentos. Além disto, o grupo de sócios que venceu as eleições para a direção geral da sede da associação contava com membros identificados com o MUD Juvenil ou com o PCP. Sustentados nas investigações da PIDE acerca das conexões políticas tecidas a partir da CEI, os Ministérios do Ultramar e da Educação Nacional instauraram uma comissão administrativa encabeçada pela Mocidade Portuguesa, que dirigiu a associação até 1957. Neste período, o número de sócios caiu sensivelmente e as atividades da Casa arrefeceram.

A “nova vaga” (1957-1960)

A chegada de uma nova geração de estudantes do ultramar – a “nova vaga”, como anos mais tarde recordou o sócio de Angola Edmundo Rocha – animou a abertura das negociações com o Ministério da Educação Nacional em torno do fim da comissão administrativa, que já contava mais de quatro anos [7]. Neste processo, a condição imposta para que os estudantes retomassem a gerência da CEI foi a reformulação dos estatutos internos que, por exigência do governo, deixavam de contar com secções por território de proveniência – entendidas pelo regime como espaços de fomento das identidades das então denominadas “províncias ultramarinas”. Nesta nova fase, a instituição foi estruturada em secções por segmento de atuação (cultura, desporto, auxílio e camaradagem, teatro...), das quais todos os associados participavam.

O período que se estende de 1957 a 1960 é lembrado pelo incremento do montante de associados e intensa atividade cultural, marcada por saraus de poesia, jantares, palestras, sessões de música – muitas vezes animadas pelo conjunto musical composto de sócios da CEI, o Ngola Kizomba – entre tantas outras. Durante estes anos, a convite de alguns sócios mais ativos, como o brasileiro Fernando Mourão, escritores e intelectuais da oposição ao regime aproximaram-se da associação e ministraram conferências e cursos. 

Foi o caso do poeta Alexandre O’Neill, do escritor Alfredo Margarido, do dramaturgo brasileiro Procópio Ferreira, entre outros. Foi retomada a edição do boletim Mensagem [8] (suspensa durante a comissão administrativa) e lançado o selo editorial Autores Ultramarinos, com vistas à publicação de jovens autores do espaço colonial. 

 Em 1959, foi inaugurada a delegação da CEI no Porto. Com isto, a associação fazia-se presente em todas as cidades portuguesas de grande dinamismo universitário.

No plano internacional, a segunda metade da década de 1950 foi marcada pelo dinamismo político e social trazido por acontecimento que enunciavam a ascensão das ideias anticoloniais e novas dinâmicas contestatárias, a exemplo da luta de libertação da Argélia (1954-1962), pela Conferência de Bandung (1955) e pela Revolução Cubana (1959). Em Portugal e nas então províncias ultramarinas, o clima de mobilização política desencadeado pelas eleições de 1958 e ascensão de novos segmentos políticos no campo da oposição denotavam o desgaste enfrentado pelo regime. Sobre este plano de fundo, no interior da CEI ganhavam força as discussões e a paulatina ressignificação da identidade da associação: com o passar dos anos, ganhou terreno a proposta que sustentava que as atividades deveriam versar acerca das expressões culturais e da realidade social das províncias em África, assumindo de modo mais ou menos velado um tom anticolonial.

Entre os seus principais dinamizadores estavam Edmundo Rocha. Gentil Viana e Henrique Carreira (Iko Carreira), de Angola; Tomás Medeiros, de São Tomé e Príncipe e Fernando Mourão. 

Cabe notar como esta proposta se demarcou substancialmente das representações promovidas na altura pelo regime a partir do lusotropicalismo proposto pelo sociólogo brasileiro Gilberto Freyre. Em linhas gerais, as suas formulações versavam sobre uma suposta singular aptidão dos portugueses nas suas missões nos trópicos, em especial no que tangia o trato com as populações coloniais. Ainda de acordo com Freyre, o ímpeto colonial luso não era levada a cabo por interesses económicos, mas sim em nome da empatia com aqueles que ali viviam, resultando num convívio harmónico entre as partes, porém nitidamente marcado pelo protagonismo do agente colonial português. Estes contornos auxiliaram a conformar um retrato homogeneizante das sociedades colonias, acentuando um suposto exotismo das culturas subjugadas.

A 30 de dezembro de 1960, o governo decretou por meio de uma portaria uma nova comissão administrativa após ter sido localizado nos correios um manifesto intitulado “Mensagem ao Povo Português”, identificado com o carimbo de Coimbra. O seu conteúdo endossava as críticas realizadas na ONU à política colonial portuguesa e acrescentava outras, ressaltando a situação de crise social e económica no espaço colonial; defendia o direito à autodeterminação dos povos das províncias, em consonância com a carta das Nações Unidas e apelava ao povo português que evitasse o desencadeamento de uma “nova guerra colonial”, que vitimaria a juventude. Cabe assinalar que ambas as comissões administrativas foram impostas à CEI em contextos nos quais as posiçoes políticas da direção geral notoriamente se demarcavam do discurso oficial do regime.

Redes de solidariedade e conexões transnacionais

Alarmados com a nova comissão administrativa, alguns dos estudantes mais ativos decidiram comunicar o ocorrido à União Geral dos Estudantes da África Negra sob Domínio Colonial Português (UGEAN), recém-fundada por um pequeno grupo de estudantes das províncias que se encontravam em Liège e Biesdorf com o intuito de representar os estudantes das províncias e pautar posições contrárias ao colonialismo português em fóruns internacionais estudantis. Os dirigentes da UGEAN, Luís de Almeida e José Carlos Horta, redigiram um comunicado em francês destinado a diferentes associações estudantis, informando que havia sido imposta uma comissão administrativa à única associação que os estudantes do espaço colonial possuíam em Portugal. Pediam ainda que escrevessem ao Ministério da Educação Nacional expondo o caso e apelando à disseminação da “Mensagem ao Povo Português”, traduzida para o francês e remetida às associações contactadas. A situação da CEI passava a ser conhecida entre as organizações estudantis internacionais, num contexto em que os desmandos do colonialismo português estavam na ordem do dia.

Os últimos anos da CEI

Em julho de 1961, o governo publicou a portaria que exonerava a segunda comissão administrativa, implicando que, mais uma vez, a CEI alterasse os seus estatutos. Tal deliberação foi acatada parcialmente, fazendo com que o governo não cortasse subsídios, condição essencial para manter o funcionamento da associação. No ano seguinte, o governo proíbe as comemorações do Dia do Estudante. Somando-se a outras associações estudantis, a CEI adere ao luto académico e cede clandestinamente o edifício da sede para a realização das sessões da Reunião Interassociações (RIA), onde também são copiografados os comunicados. A partir de uma pista a respeito, a PIDE invade o prédio, apreende arquivos da CEI, livros, revistas e submete os corpos gerentes a extensos interrogatórios, notavelmente o presidente Carlos Ervedosa, de Angola.

Com este evento aprofundam-se ainda mais os desgastes entre a CEI e o regime, que decide cortar os subsídios definitivamente, ainda que no ano anterior a associação tivesse enviado uma proposta reformulada dos estatutos. Mesmo de forma precária, a Casa busca manter-se com subsídios repassados pelos governos e por empresas situadas nas províncias. Ao tomar ciência dos repasses, o Ministério do Ultramar determina que seja posto termo à situação. Cabe lembrar que também em 1963, são fundados em Angola e Moçambique os Estudos Gerais Universitários, instituições de ensino superior que deixam de justificar que os estudantedo Ultramar tivessem que mudar de país para realizar os estudos, ao mesmo tempo que servem de argumento acerca dos investimentos de Portugal nas Províncias, para fins de propaganda durante a guerra colonial contra as lutas de libertação. A criação dos Estudos Gerais Universitários neste contexto pode ser lida como uma medida que também vem fortalecer a sensação de uma guerra travada o mais longe possível da metrópole, diminuindo o fluxo de circulação de informações entre civis, ao reduzir o contingente de estudantes originários das colónias em Portugal.

Por fim, em 1965, ano marcado pelo acirramento das perseguições aos intelectuais e ao endurecimento da censura em Portugal, o regime decide encerrar a CEI: o ministro da Educação Nacional dissolve a CEI com o pretexto de esta não estar vinculada a nenhuma instituição de ensino, gerando um desacordo com a legislação vigente. A PIDE interroga os membros da direção, instala-se nos edifícios e confisca todos os arquivos internos, materiais bibliográficos e mobiliário. Os prédios são lacrados, removendo qualquer identificação que fizesse menção à associação, numa tentativa de condenar a associação ao esquecimento.

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BIBLIOGRAFIa

[1] CHINWEIZU. “A África e os países capitalistas”. In: MAZRUI, Ali; WONDJI, Christophe. História Geral da África. Brasília: UNESCO, 2010, vol. VIII, pp. 939-940.

[2] ROSAS, Fernando (autor). MATTOSO, José (dir.). História de Portugal. O Estado Novo (1926-1974). Lisboa: Editorial Estampa, 1994, pp. 368-370.

[3] CASTELO, Cláudia. A Casa dos Estudantes do Império: lugar de memória anticolonial. In: 7º CONGRESSO IBÉRICO DE ESTUDOS AFRICANOS, 9, Lisboa, 2010 - 50 anos das independências africanas: desafios para a modernidade: Actas. Lisboa: CEA, 2010.

[4] Dáskalos, Sócrates. A Casa dos Estudantes do Império. Fundação e primeiros anos de vida. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1993, p. 9.

[5] A alcunha é proposta pelo antigo sócio, Edmundo Rocha. Conferir: Rocha, Edmundo. Angola - Contribuição ao Estudo da Génese do Nacionalismo Moderno Angolano (período 1950-1964). Luanda: Kilombelombe, 2003.

[6] A carta era endereçada a Maria Helena Rodrigues, sua futura esposa. Cabral, Iva; Souto, Márcia; Elísio, Filinto (org.). Cartas de Amílcar Cabral a Maria Helena. A outra face do homem. Lisboa: Rosa de Porcelana Editora, 2016, p. 73.

[7] Rocha, Edmundo. Angola - Contribuição ao Estudo da Génese do Nacionalismo Moderno Angolano (período 1950-1964). Luanda: Kilombelombe, 2003.

[8] A Geração da Mensagem (1950-53) da literatura angolana formou-se na continuidade do movimento dos "Novos Intelectuais de Angola", cujo lema - "Vamos Descobrir Angola!" - operaria uma revolução decisiva na sociedade colonial dos fins da década de 40. Mensagem era a revista que congregava vários jovens angolanos dispostos a combater o colonialismo português. Foi um dos mais fortes contributos para a verdadeira busca de uma cultura e literatura angolanas. [Nota da redação].

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BIOGRAFIAS Sócios casa dos estudantes do império

Aguinaldo Veiga – Nasceu em Santa Catarina (Ilha de Santiago, Cabo Verde), em 1916. Aluno da Escola Superior Colonial e da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, foi sócio da seção de Cabo Verde e presidente da sede da CEI na gestão 1945-1946. A sua gestão é lembrada na história da associação como aquela que começou a demarcar-se dos valores do regime e da Mocidade Portuguesa.

Alberto Marques Mano de Mesquita – Originário de Angola, foi presidente da Casa de Angola. Com apoio de Marcello Caetano, na altura seu professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Comissário Nacional da Mocidade Portuguesa, conseguiu apoio do Ministério das Colónias e do Ministério da Educação Nacional para a fundação da CEI. Foi o primeiro presidente da associação e a sua gestão foi marcada pela proximidade política com a Mocidade Portuguesa.

Amílcar Lopes Cabral – Nascido em Bafatá (Guiné-Bissau) em 1924, filho de uma guineense e de um cabo-verdiano, mudou-se ainda em criança para Cabo Verde. Em 1945, foi agraciado com uma bolsa de estudos do governo de Cabo Verde para seguir o curso universitário em Portugal. Estudou no Instituto Superior de Agronomia, em Lisboa e foi filiado à Secção de Cabo Verde da CEI. Durante os seus anos em Lisboa, foi muito ativo na associação: em 1950, foi secretário da direção geral e em 1952 foi convidado pelo presidente recém-eleito, Acácio Cruz, para assumir a vice-presidência da sede. Contudo, o intento nunca se concretizou, uma vez que o regime instaurou uma comissão administrativa, impedindo que os candidatos à gerência tomassem posse. Durante a primeira fase (1948-1952) do boletim Mensagem, órgão noticioso e literário da CEI, foram publicados ensaios, artigos de opinião e poemas da sua autoria. Junto a Luís Cabral, Júlio de Almeida, Aristides Pereira e Elisée Turpin fundou o Partido Africano para a Independência/União dos Povos da Guiné e Cabo Verde. O seu pensamento é marcado pela expressão de ideias e questões anticoloniais, pela originalidade da reinterpretação de questões e temas clássicos do marxismo e da esquerda à luz da realidade social africana, entre outros. Faleceu em 20 de janeiro de 1973, assassinado por dois integrantes do PAIGC.

António Agostinho Neto – Nasceu em Kaxicane (Icolo e Bengo, Angola), em 1922, filho de um pastor metodista da missão americana e de uma professora. Em 1947 embarcou para Portugal, matriculando-se na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Associou-se à delegação da CEI em Coimbra, onde ocupou alguns postos: foi membro do Departamento de Imprensa (1947-1948); Secretário da Direcção durante duas gestões (1948-1949; 1949-1950). Durante o seu período em Coimbra, contribuiu com os boletins Momentos e Meridiano, periódicos literários de duração efémera, nos quais colaboraram também outros sócios da Casa. Mesmo estando em Portugal, integrou o movimento “Vamos Descobrir Angola”, responsável pela publicação da revista Mensagem – a voz dos naturais de Angola (1951-1952). Em 1949 conseguiu uma bolsa de estudos dos metodistas americanos e transferiu o seu curso para a Universidade de Lisboa. Publicou poemas e ensaios em diferentes números do boletim Mensagem da CEI e o seu livro Poemas foi publicado em 1961 na coleção Autores Ultramarinos, selo editorial da CEI. Ao longo de sua vida, foi autor de diversas publicações de caráter literário.

Durante o seu período em Portugal, foi muito ativo no MUD Juvenil, onde foi o representante dos estudantes das colónias, além de manter vínculos com o PCP. Em decorrência da sua atividade política, foi preso duas vezes pela PIDE. A sua segunda prisão, em 1955, sensibilizou intelectuais, escritores e artistas de renome internacional, como Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir, Nicollás Guillén, Diego Rivera, em prol da sua liberdade. A intensa atividade política foi a marca da sua trajetória, tendo integrado desde o primeiro momento o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Em 1975, após a independência de Angola, tornou-se o primeiro presidente do país. Faleceu em 1979 em Moscovo, em decorrência de complicações de uma cirurgia para tratar um cancro no fígado.

Carlos Ervedosa – Nasceu em Luanda (Angola), em 1932, numa família de colonos portugueses. Em 1951 mudou-se para Portugal para estudar ciências geológicas na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Nos seus primeiros anos em Lisboa, tornou-se sócio da Secção de Angola da CEI, envolveu-se no MUD Juvenil e manteve intensa atividade militante. Em 1957 participou nas atividades de retomada da Casa pelos estudantes com o fim da comissão administrativa, ocupando o posto de Presidente da Mesa da Assembleia Geral. Em fins daquele ano, terminou o curso universitário e regressou a Luanda, permanecendo ali por aproximadamente um ano. Neste período na capital da província, entrou em contato com jovens escritores e intelectuais que compunham o círculo do jornal Cultura (1957-1960).

De volta a Lisboa, voltou a associar-se à CEI, tornando-se uma figura muito proeminente da associação: foi Diretor da Biblioteca (1959), Diretor Cultural (1960), Presidente da Direção (1961-1962) e Diretor da Mensagem (1962-1963). Além destes postos, foi o principal dinamizador da coleção Autores Ultramarinos, selo editorial da CEI que publicou obras de poesia, prosa e ensaio de sócios e de jovens autores do espaço colonial, na qual é autor de A Literatura Angolana. Resenha Histórica (1963). Contribuiu também com a organização do volume Poetas Angolanos. Antologia da Casa dos Estudantes do Império (1962). Desenvolveu a sua carreira na área de geologia e arqueologia, foi docente da Unidade de Arqueologia da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e é autor de estudos sobre Angola e Moçambique nesta área. Faleceu em 1992.

Gentil Viana – Nasceu em Luanda (Angola), em 1935, filho de Gervásio Viana, membro fundador da Liga Nacional Africana. Deixou a província em direção a Lisboa em 1954, onde ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e tornou-se sócio da CEI. Identificado com as questões anticoloniais, integrou o Movimento Anticolonialista e foi diretor da Secção de Estudos Ultramarinos (1959-1960). Fugiu de Portugal em 1961, ingressou no MPLA e instalou-se em Leopoldville (hoje Kinsasha, na República Democrática do Congo). Com um percurso político marcado por embates com grandes quadros do movimento, passou um período na China, regressou a Angola e, após a independência, foi forçado ao exílio, instalando-se em Portugal. Faleceu em 2008 em Lisboa, em decorrência de uma leucemia.

Edmundo Rocha – Nasceu em Porto Amboim (Angola), em 1931. Mudou-se para Coimbra em 1949 para realizar os últimos anos do liceu em Portugal. Neste mesmo ano tornou-se sócio da CEI. Em 1952 iniciou os seus estudos em medicina em Paris, onde conviveu com Mário Pinto de Andrade e Marcelino dos Santos. Regressou a Portugal em 1954, prosseguindo os estudos em Lisboa, onde se associou à CEI e permaneceu até 1961. Foram anos marcados pela atividade militante, primeiro junto da MUD Juvenil, depois na militância anticolonial pelo Movimento Anticolonialista (MAC) e o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Em setembro de 1961, com outros sócios da CEI, integrou o grupo de 14 médicos que instalou o Corpo Voluntário Angolano de Assistência aos Refugiados (CVAAR) em Leopoldville (atual Kinsasha, na República Democrática do Congo). Mudou-se para Argel (Argélia) em 1964, onde lecionou na Faculdade de Medicina. Em 1975, regressou a Angola após a independência. Faleceu em 2020, em Portugal.

Fernando Augusto Albuquerque Mourão – Nasceu no Rio de Janeiro (Brasil), em 1934, no seio de uma família de São Tomé. Em meados da década de 1950, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e tornou-se sócio da delegação da CEI de Coimbra, onde foi diretor da biblioteca da associação. Pouco mais tarde, transferiu-se para Lisboa, tornando-se associado da sede da CEI. Muito ativo no período de reabertura da Casa após o fim da primeira comissão administrativa (1952-1957), foi diretor da Secção de Cultura (1958-1959) e diretor da Secção de Estudos Ultramarinos (1959-1960), promovendo notáveis iniciativas nestes segmentos. De volta ao Brasil, tornou-se professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, onde fundou o Centro de Estudos Africanos (CEA). Ao longo da sua vida, dedicou os estudos ao continente africano, em especial a Angola, tendo contribuído, entre outras iniciativas, com a coleção História Geral da África da UNESCO. Teve destacada atuação no âmbito das relações internacionais para promover a aproximações diplomáticas entre o Brasil e os jovens estados africanos, após as independências. Faleceu em 2017, em São Paulo (Brasil).

Marcelino dos Santos – Nasceu em Lumbo (Moçambique), em 1929. Mudou-se para Portugal em 1948, matriculando-se no Instituto Industrial e Comercial de Lisboa. Na mesma altura tornou-se sócio da sede da CEI. Com tantos antigos sócios da sua geração, foi bastante ativo no MUD Juvenil e chegou a ser preso pela PIDE. Em 1951 mudou-se para França, onde estudou no Instituto Politécnico em Grenoble e, posteriormente, no Instituto de Ciências Políticas em Paris onde participou da fundação do Movimento Anticolonial (MAC). Foi para Rabat (Marrocos) em 1960, onde se tornou secretariado-geral da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP) e secretário de Relações Exteriores da União Democrática Nacional de Moçambique (UDENAMO). Dois anos depois, com a fundação da FRELIMO, passou a ocupar o posto de secretário de Relações Exteriores da organização, função que acumulou com a de vice-presidente a partir de 1970.

Mário Pinto de Andrade – Nasceu no Golungo Alto (Angola), em 1928, filho de Ana Rodrigues Coelho e de José Cristino Pinto de Andrade, um dos fundadores da Liga Nacional Africana. Em 1948 mudou-se para Lisboa, matriculando-se na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e tornando-se sócio da CEI. Foi membro do MUD Juvenil, o que o levou a ser preso. Colaborou com o boletim Mensagem, publicando ensaios sobre literatura negra e poemas. Com Amílcar Cabral, Agostinho Neto, Marcelino dos Santos, entre outros colegas, integrou o Centro de Estudos Africanos. Deste círculo, resulta o Caderno de Poesia Negra de Expressão Portuguesa (1953), que organizou em parceria com Francisco José Tenreiro. Em 1954 mudou-se para Paris, para escrever na prestigiada revista Présence Africaine, onde chegou ao cargo de editor.

Foi o primeiro presidente do MPLA e, de seguida, secretário-geral. Desde a fundação da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colônias Portuguesas (CONCP), em 1961, foi também seu secretário-geral. Com o irmão Joaquim Pinto de Andrade, fundou a Revolta Ativa, dissidência no interior do MPLA. Em decorrência das disputas políticas após a independência, deixa Angola mudando-se para a Guiné Bissau, onde foi Ministro da Cultura. É autor de uma profícua obra de poesia, ensaio, crítica literária e história. Viveu ainda em Portugal, França, Moçambique e na Inglaterra, onde acabou por falecer em 1990.

Tomás Medeiros (António Tomás Medeiros) – Nasceu em 1931, em São Tomé. Ainda no liceu mudou-se para Lisboa, matriculando-se na CEI na primeira metade da década de 1950. Mais tarde, iniciou os seus estudos na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Foi diretor da Secção de Cultura da CEI em 1958 e publicou os seus poemas e intervenções em alguns números do boletim Mensagem. A sua poesia também foi divulgada na antologia Poetas de S. Tomé e Príncipe, publicada pela CEI em 1963. Militante da causa anticolonial, integrou o Movimento Anticolonialista (MAC) e fugiu de Portugal em 1961. Ingressou no MPLA e, após concluir o curso de medicina na URSS, lutou na guerrilha em Cabinda (1964). Em Accra, participou da fundação do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP). Mudou-se para Argel, onde atuou como médico e contribuiu com as atividades da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP). Após as independências, mudou-se para Portugal por não concordar com os rumos políticos do MLSTP e do MPLA, onde continuou a exercer medicina e se tornou autor de várias obras de poesia ou sobre política e história. Faleceu em 2019.

Vasco Cabral – Nasceu em Farim (Guiné), em 1926. Em meados da década de 1940 mudou-se para Lisboa para cursar a Universidade Técnica de Lisboa. Desenvolveu intensa atividade militante no MUD Juvenil e estreitou laços com o PCP, participando ativamente da campanha do General Norton de Matos à presidência. Em 1953, ao regressar de Bucareste, onde participou no IV Festival Mundial da Juventude, foi preso em Lisboa. Foi membro do PAIGC desde a sua fundação e esteve na frente de combate até a independência da Guiné. Ocupou diversos postos no governo do seu país: foi ministro da Economia e Finanças, ministro de Estado da Justiça, membro do Conselho de Estado, vice-presidente, entre outros. Faleceu em Bissau, em 2005.


Última edição em: 20/04/2024 07:45:20